A vontade de morrer ainda persiste. Aliás, morrer não. Porque morrer implica em ter existido e é esse um dos principais martírios que me fazem querer morrer: a existência. Ela é dura, cruel e pesada. A maioria vai me julgar frívola, mesquinha e egoísta por não apreciar as ditas qualidades dessa tal bem-aventurança de viver. Eu discordo. Não que também eu não tenha meus momentos de felicidade. Pelo contrário... Eu os tenho. Os tive mais no passado e os tenho cada vez menos no presente e é, quem sabe, isso o que mais julgo detestável.
Não gosto dessas resoluções cíclicas. Essa ordem do mutável, na grande maioria das vezes, me desagrada. O sorriso de hoje é o choro de amanhã... e vice-versa. Por isso critico essa tal maravilha que as pessoas vêem em viver. Os risos, será que são mesmo verdadeiros esses tais?? Ou serão apenas movimentos estereotipados que nos acostumamos a esboçar?? Pode ser o choro digno da mesma nota... Este é, quem sabe, manifestação necessária, como que para nos lembrar de que sentimos, padecemos também apesar do cotidiano intrigante, que nubla elaborações e se escancara para conversas fúteis em redes sociais.
Mas, não sei... E como essa frase me tem perseguido... Faço das dúvidas constantes o utensílio sagrado com o qual me firo diariamente. Cavei brechas em mim mesma. E estas estão cada vez maiores... Acostumei-me ao serviço diário de me machucar. As lesões por esforço repetitivo não me impediram de cavar mais fundo. Cravei farpas, rancores, desesperança no meu peito de tal modo que hoje, quando finalmente me dou conta do estrago que fiz, não mais consigo deter o comportamento recorrente de me ferir...
É, quem sabe, tarde pra conseguir me livrar de tudo isso... Do amor, dos dias alegres... Do ódio e do ressentimento os quais, segundo julguei do alto da minha incongruência patética, me livrariam da aspereza que é o término de uma relação. O amor é ridículo.
O ódio também. Ninguém que odeie outrem pode dizer que odeia tanto que sequer nota a presença de seu rival. Não. Pelo contrário, a indiferença representa acima de tudo o oposto do amor. Mas o ódio... Ah, o ódio... Este foi forjado no aço do “se importar”, mamou nas tetas do “envolver-se” e cresceu em mim em meio a veias e artérias coronárias. Como extirpá-lo agora??
O amor nunca deveria se converter nesse monstro terrível... Amar é lindo, sublime, mágico... O único demérito que possui e ter sido colocado no peito de reles seres humanos. E seres humanos, ah... Francamente. Sempre vamos prostituir o verbo amar. Talvez não por pura e simples incompetência afetiva, e sim pelo fato de não sermos divinos e perfeitos. Todo mundo erra, todo mundo ri e chora e, cedo ou tarde, todo mundo se apaixona. Aliamos o sentimento mais sagrado do universo às nossas excretas, nós o mergulhamos no ciúme, na intolerância, na dependência... Depois vomitamos tudo isso... E ainda sobra espaço pra confundir o amor com a paixão, a liberdade oferecida com um “Não estou nem aí pra você”, o ser traído com um pretexto para trair também.
Eu sinceramente gostaria de expurgar as peculiaridades que atrapalham o meu exercício pleno do amar... Sentir esse cheiro podre saído de mim ainda dói. É difícil reconhecer as nossas limitações e, no meu caso, sempre me utilizei da negação para dopar os mais pútridos dejetos emocionais, impedindo que eles viessem à tona.
Entretanto eles vieram. E não foi por qualquer tipo de maturidade ou iluminação, não! Não fui eu quem os convidou a passear pelos meus dias. Eu sei é que um dia, eles simplesmente saíram... Explodiram! Deixaram-me nua, rasgaram minha carne e se esfregaram diante dos meus olhos pra que pudessem, enfim, se fazer vistos.
E eu os vi. Os meus principais demônios... Às vezes em que deixei a desejar por preguiça, o pedido de perdão que não consegui arrancar dos meus lábios, o excesso de palavras esdrúxulas para ofender a quem quer que fosse, a falta de tato para lidar com a frustração, o meu ciúme, o rancor, o cinismo, a manipulação...
Eu! Reles, ignóbil, obtusa, inexata, assimétrica e louca. Eu não sei amar, não! As coisas sempre extrapolam o limiar do natural. Sempre fui intensa, exagerada mesmo, em tudo o que faço e essa minha característica provavelmente ainda há de me render rugas e cabelos brancos. Amo agressivamente, odeio pecaminosamente, vomito minhas emoções, aponto o dedo e lanço ao rosto do meu interlocutor todas as suas faltas. Não há relacionamento, nem pessoa que consiga escapar ao meu julgamento. Por isso reclamo em demasia, estouro os tímpanos de quem estiver comigo, gasto o tempo das pessoas exigindo que elas me escutem, culpo a mim mesma, tomo para mim a responsabilidade pelo fracasso e, por fim, somatizo.
Bem previsível... Bem eu! A verdade é que há uma grande contradição no meu discurso. Se por um lado tenho ganas de limar os meus rancores, amores e dissabores, por outro tenho medo da queda a qual eu seria impelida pelo simples extirpe. Como me erguer? E como colar os cacos abandonados sobre a calçada suja? E como parar a minha máquina de autodestruição, mostrando a ela que nada mais há para destruir?
Tal é o meu medo que chego a pensar que de nada vale ceder coisa alguma em benefício de outrem. Dane-se o meu todo social! Deixem, pois, em paz os meus dejetos! Serei inflexível, serei forte, serei um cubo de gelo, serei uma mulher de 24 anos que se permite usar os outros sem culpa, serei alguém que jamais vai se apaixonar de novo... Serei alguém que não mais possui defeitos a serem erradicados, serei alguém que não se importa... Serei assim...E não serei mais eu.
Lesões por esforço repetitivo
ResponderExcluirde tentar 'viver'
É, o buraco é bem mais embaixo.